quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

ALEX PRIMÃO in memorian







ALEX PRIMÃO





Frequentemente estava em visita e ou participando a exposições, não tenho certeza mas deveria ser início dos anos de noventa, conheci um garoto aficcionado pelas orquideas já contaminado pelo virus ORCHIDARIO MUNDIALIS. Como todo iniciante desta idade tem sede em pesquisar todas as publicações referentes e por “inchar” seu plantel como fermento de pão atacando a natureza como meio rápido para satisfazer a necessidade do virus.

Por volta do ano de mil novecentos e noventa e nove fui até Casa Branca, domicilio deste amigo, onde encontramos e colocamos nossas conversas, em relação as orquideas, em dia.

Em meio a desabafo, sentados ao lado de uma mesinha quadrada no fim de uma tarde quente, me confidenciou sua história em relação da vida particular, as dificuldades em geral, sua formatura, e a frustação com suas pesquisas nas matas e falesias ao redor de Casa Branca, onde seus considerados amigos e os amigos deles devastaram as 'nativas' que lutavam em sobreviver e perpetuar. Surgindo a ideia de publicar uma critica a respeito de tal fato. Transcrevo (cópia) abaixo a publicação do Boletim CAOB número 42 – out/nov/dez 2000. Infelizmente perdemos esse defensor, meses depois desta publicação, que outrora aprendeu a lição e tenta passar sua experiencia com este arquivo. Parece um trocadilho da natureza, pregando essa peça !


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Thanatos: alerta aos aficionados por orquídeas.

Alex Primão*



T odo mundo já ouviu falar em dinossauros. Claro que já somos bombardeados por filmes, réplicas e crianças dizendo que querem ter um boneco de tiranossauro igualzinho ao do filme. Para algumas cabeças mais abertas, dinossauro também significa extinção. Isso, obviamente, porque os dinos estão extintos, certo? Não sobrou nenhum pra contar a história. E graças a Deus, essa extinção não teve nada a ver conosco.

Mas, lamento dizer, existem criaturas neste mundo ameaçadas de extinção, e de muitas delas (pra não dizer todas) depende nossa própria existencia. Animais e plantas em todo o mundo desaparecem ou correm risco de desaparecer por causa da ganancia, intolerancia, ignorancia e outras “ancias” da raça humana. Entre elas, estão nossas orquídeas.

Chama-las de “nossas” já é uma grande arrogancia. Elas não nos pertencem. Nós somente devotamos nossa admiração 'a sua inegável beleza. Claro, existem aqueles que acham que elas são realmente suas, não, talvez fosse melhor dizer que eles acham que o mundo é deles. Pelo menos parece, pois estes camaradinhas andam por aí causando o estrago ditado pelos seus egos.

Entre esses assassinos encontramos diversos “tipos” distintos. Alguns nem sabem o que é uma orquídea, assinam um papel e lá se vão alguns hectares de mata virgem e seus habitantes. Outros escondem seus estragos com um pequeno incendio acidental ou então “soltando” alguns matereiros em sua propriedade para “acidentalmente” ver aquele mato indesejável desaparecer. Os mateiros, aliás, são um grupo engraçado, vivem a curto prazo, desesperados pela rendinha que aquelas “parasitas” - e aqueles “parasitas”que compram as plantas – lhes garantem. Isso é, enquanto existirem orquídeas para coletar.

Mas, o mais vil e pérfido inimigo da flora orquidácea, e eu já vi o suficiente para ter certeza disso, é uma criatura que tem a audácia de se chamar de orquidófilo. Ora, orquidófilo quer dizer “amigo das orquídea” e eu tenho orgulho de ser um. Mas certos pseudo-amantes das orquídeas vagueiam entre nós, comentando passeios bucólicos por vários lugares, de onde retiraram inescrupulosamente sacos e sacos dessa ou daquela espécie.

Todo orquidófilo com alguma experiencia conhece a pequena microrquidea Campylocentrum. Um desses pseudo-orquidófilos (ternamente chamados por um colega meu de “orquidiotas”), passeando pela mata com olhos fanáticos, vislumbrou uma grande colonia de Campylocentrum pendurando-se pelos galhos de uma árvore. Desnecessário dizer que o final trágico das plantas foi apodrecer sobre uma bancada de orquidário. Acho que, se reunisse tudo o que o camarada coletou, daria para encher uns dois sacos, desses de estopa, o que é muito, levando-se em conta o tamanho diminuto das plantas.

Outro caso fabuloso é o da Laelia sincorana . Alguém aqui conhece a Serra do Sincorá o habitat dessa planta? Se viu, sabe que monte de pedras é aquilo. A sincorana é uma planta rara na natureza. Eu vi, certa vez, um “catador” trazer mil e duzentas mudas de sincorana para o “plantio”. Não me interessa se as plantas sobreviveram ou não. Interessa apenas que o lugar delas não é no orquidário de um fanático.

Um argumento interessante com que me deparo 'as vezes é de que se isso não fosse feito, as plantaas iriam parecer nas mão dos depredadores, ou pelas derrubadas e queimadas. Opa, depredadores? Quem serão eles? Este argumento não convence. É como se todo mundo comprasse máscaras e tubos de oxigenio portáteis para respirar, ao invés de reclamar e lutar contra a poluição. Que abnegados, eles são.

Era uma vez uma pequena mata ciliar, com uma pequena população das belas e conhecidas Cattleyas loddigesii. Era a época da frutificação. Um dos orquidofanáticos, febril com a descoberta (e que descoberta, meia dúzia de loddigesii desesperadamente lutando para se reproduzir na mata...), praticamente se atirou num riacho para apanhar uma touceira com frutos. Quem sabe não era uma flor para exposição? Talvez ela tivesse uma forma excelente... 'As vezes eu não sei se sinto pena da planta ou do coletor.

Existem inúmeros casos trágicos de devastação. O orquidicida não causa estrago isoladamente, ele devasta em uma inconsciente e silenciosa união. Um faz uma coleta aqui, outro acolá, um coleta meia dúzia, outro leva duas mil. Eles tem algo em comum, entretanto: jamais deixam um só vestigio das plantas que coletaram no lugar em que as encontraram. Nenhuma muda é deixada, nenhuma possibilidade de propagação resta para o alvo do infame orquidofanático.

Hoje a reprodução de plantas em laboratório é uma realidade. Pode-se comprar um belo e selecionado exemplar de qualquer Cattleya sem precisar coletá-la e sem que ela tenha sido retirada da mata. Bem, não é sempre o caso, já que existe uma subespécie de orquidicida que ADORA vender o fruto de sua caça. Mas , seja como for, orquídeas produzidas em laboratório, que teoricamente serviriam para evitar a coleta das plantas na natureza, existem aos milhares, de qualquer espécie, tamanho e, principalmente, preço. Ora, podemos visitar uma mata, um morro ou outro hábitat das orquídeas. É um esporte saudável. Mas devemos deixá-las onde estão.

Quanto tempo perdurará a Sophronitis coccinea na Mata Atlantica? Quanto tempo perdurará a Laelia sincora, a Cattleya warnerii, a Cattleya araguaiensis e dezenas de outras espécies (apenas para mencionar o Brasil)? Ah, os senhores orquidofanáticos pensam que as plantas sempre existirão por aí. Que essa história de extinção é conversa fiada. Eles acreditam piamente que tudo vai ficar como está, para sempre, sem se lembrar que o “como está” de hoje não é o mesmo de 1500, quando Cabral aportou por aqui. Que nem de longe está a mesma coisa.

É risível a atitude dessas pessoas. Elas soltam pérolas como “nós estamos salvando as plantas da destruição”, “só eu tenho essa planta” ou “existe muita dessa orquídea por aí” (o pior dos argumentos).

Essas pérolas me roem por dentro. Não é esse o espirito da orquidofilia. Não é esse o amor pela natureza, e porque não dizer, pela vida. Nós já não temos males o suficiente para nos preocupar? Já não temos derrubadas, queimadas e poluição?

Eu passei algum tempo totalmente afastado da orquidofilia. O desanimo tinha me vencido. Só voltei cultivar orquideas porque gosto delas. Pois mesmo agora, me deparo com o velho problema. E deixo aqui um aviso ao orquidófilo iniciante, que pode ser vítima da mesma armadilha de que eu, e muitos amigos, fomos no inicio de nossas paixões por orquideas: muito cuidado com o camarada que diz que, ao arrancar aquele montão de plantas do mato, está salvando tudo aquilo da destruição. Eu e meus amigos acreditamos nessa lorota por um bom tempo, ante de perceber o que acontece de verdade. É um tipo de bicho-papão, o orquidofanático. E é perigosamente contagioso.

É claro que existem pessoas que acreditam na estória de salvar plantas. Elas devem, porém, se perguntar se está adiantando retirar as plantas do hábitat. E veja bem, há uma enorme diferença entre você coletar uma única e simples muda de uma grande touceira no mato, ou coletar a touceira toda. Meu amigo principiante, se você realmente vai coletar essa bendita muda, independente de qual seja a espécie, não fale absolutamente a ninguém que você o fez ou onde foi. Isso tem uma boa razão: ao revelar o local em que encontrou alguma orquídea, você pode estar condenando toda a pequena – ou grande – comunidade de orquideas desse local, pois não tardará a ser visitado por um ou mais orquidofanáticos. E se você é um orquidófilo experiente e conscio do problema, e inadvertidamente encontrou alguma raridade ou coisa assim, não de jamais o endereço da pobre planta.

Que restará dizer? Os exemplos que eu dei são pequenos, comparados com certas barbaridades que já ouvi. Lembraram-se das Encyclias qua descrevi como ocorrencia na região de Casa Branca – SP? Se não, deem uma boa olhada nelas, no Boletim CAOB número 27, Jan/Fev/Mar. de 1997. Olhem, pois elas só existem ali, agora. Um bando de orquidicidas passou pelo pequeno hábitat delas e limpou o local de qualquer vestígio das plantas. E qual teria sido o seu fim? Alguma bancada ou toco de xaxim, onde elas aguenterão uns dois anos antes de virar pedaços de bulbos secos como o xaxim em que foram socadas. Eu pareço zangado? Ótimo. Estou mesmo.

E olhem que só falei sobre orquideas! Ampliem isso para as bromeliáceas, plantas ornamentais diversas, e aves, e outros animais silvestres, e 'arvores (como o palmiteiro, p.ex.), etc, etc, e muitos, muitos outros etc.

Uma pequena nota etimológica: thanatos, em grego, significa morte. Eu achei um bom nome para esse artigo. Espero que jamais seja um bom nome para descrever nossa flora e fauna.



Campylocentrum sp
 
 
CONCLUÍDO
 
 

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