ALEX PRIMÃO
Frequentemente estava em visita e
ou participando a exposições, não tenho certeza mas deveria ser
início dos anos de noventa, conheci um garoto aficcionado pelas
orquideas já contaminado pelo virus ORCHIDARIO MUNDIALIS. Como
todo iniciante desta idade tem sede em pesquisar todas as publicações
referentes e por “inchar” seu plantel como fermento de pão
atacando a natureza como meio rápido para satisfazer a necessidade
do virus.
Por volta do ano de mil
novecentos e noventa e nove fui até Casa Branca, domicilio deste
amigo, onde encontramos e colocamos nossas conversas, em relação as
orquideas, em dia.
Em meio a desabafo, sentados ao
lado de uma mesinha quadrada no fim de uma tarde quente, me
confidenciou sua história em relação da vida particular, as
dificuldades em geral, sua formatura, e a frustação com suas
pesquisas nas matas e falesias ao redor de Casa Branca, onde seus
considerados amigos e os amigos deles devastaram as 'nativas' que
lutavam em sobreviver e perpetuar. Surgindo a ideia de publicar uma
critica a respeito de tal fato. Transcrevo (cópia) abaixo a
publicação do Boletim CAOB número 42 – out/nov/dez 2000.
Infelizmente perdemos esse defensor, meses depois desta publicação,
que outrora aprendeu a lição e tenta passar sua experiencia com
este arquivo. Parece um trocadilho da natureza, pregando essa peça !
Thanatos:
alerta aos aficionados por orquídeas.
Alex
Primão*
T
odo mundo já ouviu falar em dinossauros. Claro que já somos
bombardeados por filmes, réplicas e crianças dizendo que querem ter
um boneco de tiranossauro igualzinho ao do filme. Para algumas
cabeças mais abertas, dinossauro também significa extinção. Isso,
obviamente, porque os dinos estão extintos, certo? Não sobrou
nenhum pra contar a história. E graças a Deus, essa extinção não
teve nada a ver conosco.
Mas,
lamento dizer, existem criaturas neste mundo ameaçadas de extinção,
e de muitas delas (pra não dizer todas) depende nossa própria
existencia. Animais e plantas em todo o mundo desaparecem ou correm
risco de desaparecer por causa da ganancia, intolerancia, ignorancia
e outras “ancias” da raça humana. Entre elas, estão nossas
orquídeas.
Chama-las
de “nossas” já é uma grande arrogancia. Elas não nos
pertencem. Nós somente devotamos nossa admiração 'a sua inegável
beleza. Claro, existem aqueles que acham que elas são realmente
suas, não, talvez fosse melhor dizer que eles acham que o mundo
é deles. Pelo menos parece, pois estes camaradinhas andam por aí
causando o estrago ditado pelos seus egos.
Entre
esses assassinos encontramos diversos “tipos” distintos. Alguns
nem sabem o que é uma orquídea, assinam um papel e lá se vão
alguns hectares de mata virgem e seus habitantes. Outros escondem
seus estragos com um pequeno incendio acidental ou então “soltando”
alguns matereiros em sua propriedade para “acidentalmente” ver
aquele mato indesejável desaparecer. Os mateiros, aliás, são um
grupo engraçado, vivem a curto prazo, desesperados pela rendinha que
aquelas “parasitas” - e aqueles “parasitas”que compram as
plantas – lhes garantem. Isso é, enquanto existirem orquídeas
para coletar.
Mas,
o mais vil e pérfido inimigo da flora orquidácea, e eu já vi o
suficiente para ter certeza disso, é uma criatura que tem a audácia
de se chamar de orquidófilo. Ora, orquidófilo quer dizer “amigo
das orquídea” e eu tenho orgulho de ser um. Mas certos
pseudo-amantes das orquídeas vagueiam entre nós, comentando
passeios bucólicos por vários lugares, de onde retiraram
inescrupulosamente sacos e sacos dessa ou daquela espécie.
Todo
orquidófilo com alguma experiencia conhece a pequena microrquidea
Campylocentrum. Um desses pseudo-orquidófilos (ternamente
chamados por um colega meu de “orquidiotas”), passeando pela mata
com olhos fanáticos, vislumbrou uma grande colonia de
Campylocentrum pendurando-se pelos galhos de uma árvore.
Desnecessário dizer que o final trágico das plantas foi apodrecer
sobre uma bancada de orquidário. Acho que, se reunisse tudo o que o
camarada coletou, daria para encher uns dois sacos, desses de estopa,
o que é muito, levando-se em conta o tamanho diminuto das plantas.
Outro
caso fabuloso é o da Laelia sincorana . Alguém aqui conhece
a Serra do Sincorá o habitat dessa planta? Se viu, sabe que monte de
pedras é aquilo. A sincorana é uma planta rara na natureza. Eu vi,
certa vez, um “catador” trazer mil e duzentas mudas de sincorana
para o “plantio”. Não me interessa se as plantas sobreviveram ou
não. Interessa apenas que o lugar delas não é no orquidário de um
fanático.
Um
argumento interessante com que me deparo 'as vezes é de que se isso
não fosse feito, as plantaas iriam parecer nas mão dos
depredadores, ou pelas derrubadas e queimadas. Opa, depredadores?
Quem serão eles? Este argumento não convence. É como se todo mundo
comprasse máscaras e tubos de oxigenio portáteis para respirar, ao
invés de reclamar e lutar contra a poluição. Que abnegados, eles
são.
Era
uma vez uma pequena mata ciliar, com uma pequena população das
belas e conhecidas Cattleyas loddigesii. Era a época da
frutificação. Um dos orquidofanáticos, febril com a descoberta (e
que descoberta, meia dúzia de loddigesii desesperadamente lutando
para se reproduzir na mata...), praticamente se atirou num riacho
para apanhar uma touceira com frutos. Quem sabe não era uma flor
para exposição? Talvez ela tivesse uma forma excelente... 'As vezes
eu não sei se sinto pena da planta ou do coletor.
Existem
inúmeros casos trágicos de devastação. O orquidicida não causa
estrago isoladamente, ele devasta em uma inconsciente e silenciosa
união. Um faz uma coleta aqui, outro acolá, um coleta meia dúzia,
outro leva duas mil. Eles tem algo em comum, entretanto: jamais
deixam um só vestigio das plantas que coletaram no lugar em que as
encontraram. Nenhuma muda é deixada, nenhuma possibilidade de
propagação resta para o alvo do infame orquidofanático.
Hoje
a reprodução de plantas em laboratório é uma realidade. Pode-se
comprar um belo e selecionado exemplar de qualquer Cattleya
sem precisar coletá-la e sem que ela tenha sido retirada da mata.
Bem, não é sempre o caso, já que existe uma subespécie de
orquidicida que ADORA vender o fruto de sua caça. Mas , seja
como for, orquídeas produzidas em laboratório, que teoricamente
serviriam para evitar a coleta das plantas na natureza, existem aos
milhares, de qualquer espécie, tamanho e, principalmente, preço.
Ora, podemos visitar uma mata, um morro ou outro hábitat das
orquídeas. É um esporte saudável. Mas devemos deixá-las onde
estão.
Quanto
tempo perdurará a Sophronitis coccinea na Mata Atlantica?
Quanto tempo perdurará a Laelia sincora, a Cattleya
warnerii, a Cattleya araguaiensis e dezenas de outras
espécies (apenas para mencionar o Brasil)? Ah, os senhores
orquidofanáticos pensam que as plantas sempre existirão por aí.
Que essa história de extinção é conversa fiada. Eles acreditam
piamente que tudo vai ficar como está, para sempre, sem se lembrar
que o “como está” de hoje não é o mesmo de 1500, quando Cabral
aportou por aqui. Que nem de longe está a mesma coisa.
É
risível a atitude dessas pessoas. Elas soltam pérolas como “nós
estamos salvando as plantas da destruição”, “só eu tenho essa
planta” ou “existe muita dessa orquídea por aí” (o pior dos
argumentos).
Essas
pérolas me roem por dentro. Não é esse o espirito da orquidofilia.
Não é esse o amor pela natureza, e porque não dizer, pela vida.
Nós já não temos males o suficiente para nos preocupar? Já não
temos derrubadas, queimadas e poluição?
Eu
passei algum tempo totalmente afastado da orquidofilia. O desanimo
tinha me vencido. Só voltei cultivar orquideas porque gosto delas.
Pois mesmo agora, me deparo com o velho problema. E deixo aqui um
aviso ao orquidófilo iniciante, que pode ser vítima da mesma
armadilha de que eu, e muitos amigos, fomos no inicio de nossas
paixões por orquideas: muito cuidado com o camarada que diz que, ao
arrancar aquele montão de plantas do mato, está salvando tudo
aquilo da destruição. Eu e meus amigos acreditamos nessa lorota por
um bom tempo, ante de perceber o que acontece de verdade. É um tipo
de bicho-papão, o orquidofanático. E é perigosamente contagioso.
É
claro que existem pessoas que acreditam na estória de salvar
plantas. Elas devem, porém, se perguntar se está adiantando retirar
as plantas do hábitat. E veja bem, há uma enorme diferença entre
você coletar uma única e simples muda de uma grande touceira no
mato, ou coletar a touceira toda. Meu amigo principiante, se você
realmente vai coletar essa bendita muda, independente de qual seja a
espécie, não fale absolutamente a ninguém que você o fez ou onde
foi. Isso tem uma boa razão: ao revelar o local em que encontrou
alguma orquídea, você pode estar condenando toda a pequena – ou
grande – comunidade de orquideas desse local, pois não tardará a
ser visitado por um ou mais orquidofanáticos. E se você é um
orquidófilo experiente e conscio do problema, e inadvertidamente
encontrou alguma raridade ou coisa assim, não de jamais o endereço
da pobre planta.
Que
restará dizer? Os exemplos que eu dei são pequenos, comparados com
certas barbaridades que já ouvi. Lembraram-se das Encyclias qua
descrevi como ocorrencia na região de Casa Branca – SP? Se não,
deem uma boa olhada nelas, no Boletim CAOB número 27, Jan/Fev/Mar.
de 1997. Olhem, pois elas só existem ali, agora. Um bando de
orquidicidas passou pelo pequeno hábitat delas e limpou o local de
qualquer vestígio das plantas. E qual teria sido o seu fim? Alguma
bancada ou toco de xaxim, onde elas aguenterão uns dois anos antes
de virar pedaços de bulbos secos como o xaxim em que foram socadas.
Eu pareço zangado? Ótimo. Estou mesmo.
E
olhem que só falei sobre orquideas! Ampliem isso para as
bromeliáceas, plantas ornamentais diversas, e aves, e outros animais
silvestres, e 'arvores (como o palmiteiro, p.ex.), etc, etc, e
muitos, muitos outros etc.